As mãos ágeis na máquina de costura revelam uma paixão que nasceu entre as grades de um presídio. O trabalho com o couro desde seu amaciamento às finalizações de bolsas elegantes, funcionais ou mesmo descoladas tem representado a esperança do reeducando Marcelo Guilherme nos últimos três anos de sua vida, dos dez que cumpre pena na Penitenciária Estadual de Dourados (PED).
A cada peça produzida, o orgulho e a certeza de poder construir uma nova história com seu talento e suor do trabalho digno, e de poder sonhar com a liberdade não só da prisão, mas também do mundo da criminalidade. Na unidade prisional, ele retomou os estudos na terceira série do ensino fundamental, chegando a alcançar o segundo ano do ensino médio, fortalecendo essa nova caminhada para um futuro diferente.
Marcelo é um dos internos que atuam na confecção instalada na PED por meio de parceria entre a Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (Agepen) e a ONG Artaban. Além das bolsas e artigos em couro, sua especialidade, o reeducando também atua na linha de produção de roupas em tecidos.
Assim como ele, Mato Grosso do Sul tem atualmente mais de 7,2 mil custodiados do sistema prisional inseridos em ocupação laboral. A Agepen tem cerca de 190 parcerias com empresas, fazendo do estado referência em índice de ocupação da mão de obra carcerária, com 36,8%, superando em mais de 10% a média nacional.
Para o diretor-presidente da Agepen, Aud de Oliveira Chaves, o resgate de um interno reflete na sociedade como um todo e contribui para a não reincidência criminal. “A transformação não atinge somente o reeducando, mas todo mundo que vai vir a conhecê-lo. Então, o impacto da ressocialização é incalculável”, pontua o dirigente. “É importante ter em mente que a reinserção social depende de cada interno do sistema prisional querer essa transformação, mas cabe a nós dos órgãos que compõem a execução penal possibilitarmos meios para que isso aconteça”, complementa.
O brilho nos olhos do reeducando da PED ao comentar o novo ofício conquistado no presídio reflete bem isso: ter uma nova vida sob a perspectiva, a partir das oportunidades criadas no cárcere, de ter um espaço no mercado profissional ou mesmo a possibilidade de abrir o próprio negócio.
“A costura na minha vida hoje representa meu futuro, jamais pensei em aprender isso, às vezes pensam que é coisa de mulher, mas é para qualquer um que fizer de coração, para mim está sendo muito bom”, garante Marcelo, que está contando os dias para progredir para o regime semiaberto.
Entre uma encomenda e outra, o costureiro-artesão também aproveita os restos de couro, que seriam dispensados, para diversificar sua produção e garantir uma renda a mais, além dos ¾ do salário mínimo que recebe na oficina. “Faço pulseira, faço chaveiro, faço várias coisas, que Deus deu a misericórdia de eu aprender nesse lugar”, comemora.
O diretor da PED, Antônio José dos Santos, defende que o trabalho tem se consolidado como uma das principais frentes de ressocialização e disciplina no presídio e isso tem refletido em números positivos.
Além das oficinas de costura e serigrafia, os custodiados atuam na cozinha, padaria, barbearia, costura de bolas, fabricação de tanques e pias em concreto (para atender a própria unidade), reciclagem, entre outros serviços.
Cada três dias de serviços prestados pelos detentos garantem a eles desconto de um dia no total da pena imposta. No caso do trabalho em oficinas instaladas por meio de parcerias com empresas e instituições, como a Artaban, também é oferecida remuneração.
“O preso trabalhando na unidade diminui a ansiedade provocada pelo cárcere e acaba também sendo mais disciplinado, e isso é muito importante para nossa rotina. Além disso, quando ele volta para o seio familiar, se tem uma profissão, um trabalho, a probabilidade de ele não retornar para o crime é muito maior”, finaliza o dirigente.
Texto: Keila Oliveira