Atrás do grande portão de ferro que separa a liberdade do presídio, há quem veja nas artes uma esperança. Seguindo pelos corredores, o colorido dos balões denuncia que ali está uma comunidade que, enfim, pode ser e amar quem quiser.
Desde agosto do ano passado, 77 detentos contam com uma ala exclusiva LGBTQIA+ dentro do IPCG (Instituto Penal de Campo Grande), em cumprimento às determinações do CNPCP (Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária), previstas na Resolução Conjunta nº 1, de 15 de abril de 2024.
Às vésperas das festas de fim de ano, a Secretaria de Estado da Cidadania, por meio da Subsecretaria de Políticas Públicas para População LGBTQIA+ e o Centro Estadual de Cidadania LGBTQIA+ foram visitar as instalações a convite da Agepen. Além da formalidade de apresentar os projetos que serão desenvolvidos a partir de 2025, entre cursos e oficinas profissionalizantes, a Cidadania pode conferir a reintegração social promovida dentro da ala.
Psicóloga do Instituto Penal e uma das figuras mais queridas dos detentos, Patrícia Gabriela Magalhães explica que a apresentação é um resumo do trabalho desenvolvido. “O nosso papel consiste não só em desenvolver ações com os LGBT’s, mas fazer essa mistura com o ambiente prisional como um todo, com as demais celas, porque entendemos que para romper a barreira dos preconceitos, não adianta isolar, é preciso ter essa vivência, essa troca”, descreve.
Convivência esta que tem trazido resultados, como conta Patrícia. “Foi um ano de evolução. Essa galera evoluiu muito em questão de comportamento, de convivência, respeito. Nós temos poucos problemas disciplinares”, ressalta.
Para o subsecretário de Políticas Públicas para População LGBTQIA, Vagner Campos, é fundamental a presença da pasta em todos os espaços onde a comunidade está.
“Nós encontramos aqui um espaço de diálogo, de convivência, de interferência na vida de vocês. Antes, passamos pela direção, onde dialogando, vimos os resultados extremamente positivos da nossa população aqui dentro. Nós temos que ter um olhar específico para os LGBTQIA+, mas a gente sabe que o mundo será melhor quando todos se respeitarem, e quando entendermos que para a gente viver precisa de pluralidade, respeito e harmonia”, pontua o subsecretário.
Diretor do Instituto Penal de Campo Grande, Leoney Martins, compartilha com os detentos que em 2025 projetos em relação às artes e trabalhos manuais vão sair do papel.
“Tem muita coisa para acontecer, e a gente agradece aqui em nome da direção da unidade ao comportamento de vocês, ao interesse de vocês com o aspecto de ressocialização e a gente fortalece o nosso compromisso ao cumprimento da legislação específica para a comunidade LGBT”, destaca.
Representação
De dentro da ala LGBTQIA+, os detentos da comunidade apresentam uma peça que se baseia na vida de muitos dos que foram parar ali, sobre como é ser LGBTQIA+ na família e na sociedade.
“Bom gente, geralmente começa com a descoberta, né? E é a pior parte que tem, né? Aquela coisa: ‘viado é bom na família dos outros, na nossa a gente não quer, né?’”, introduz a narradora. Ela, mulher trans, de 35 anos, vai contando cada parte da vida de Francisco, uma pessoa que desde a infância já tinha um jeito afeminado.
No decorrer da trama, a mãe, que já havia percebido, reitera o apoio que sempre deu aos filhos. Ao contrário do pai e dos irmãos de Francisco, que acabam por expulsá-lo de casa.
“Francisco, recebendo preconceito da sua casa, saiu ao mundo afora, virou uma bela de uma travesti. Conheceu rapazes noturnos e se envolveu com coisas ilícitas da noite. Acabou indo presa, se encontra no Instituto Penal, no solar LGBT, à espera de sua liberdade junto com seus amigos e amigas”, encerra a apresentação.
“Voz de cela”, como são chamadas as lideranças, uma mulher trans de 34 anos diz que aquela encenação também é a sua história.
“Dona Patrícia lançou a ideia de fazer um teatro, ela juntou eu e mais uma voz de cela, e nós se organizamos. Descobri a homossexualidade, meus pais me mandaram sair de casa, e depois de muito tempo na rua, me envolvi com prostituição e com drogas”, lembra.
Sobre o que quiseram passar com o teatro, outra detenta, de 33 anos, diz que a intenção foi mostrar que apesar do preconceito, elas ainda podem vencer. “O preconceito não é da rua, é de dentro de casa. Então, se a gente vencer o preconceito de dentro de casa, a gente consegue vencer o preconceito na rua. Por exemplo, hoje nós estamos no presídio, mas aqui dentro o preconceito a gente conseguiu superar. Então se a gente conseguiu aqui, a gente consegue lá fora. Nossa ideia foi essa, de mostrar que é possível quebrar todas as barreiras”, finaliza a travesti.
Texto e fotos: Secretaria de Estado de Cidadania – Paula Maciulevicius.