Os ingredientes simples – farinha, ovos e fermento –, quando misturados e assados na temperatura certa, são transformados no famoso pão francês. E apenas 10km separam aqueles que preparam o alimento das 180 crianças que comem o pãozinho no café da manhã servido no Educandário Espírita Blaise Pascal, no Aero Rancho.
Na rotina da escola, que é mantida pelo Centro Espírita Francisco Thiesen e também por meio de auxílio de voluntários e convênios, o pão é um dos principais alimentos servidos aos alunos. Muitas crianças recebem ali a primeira refeição do dia e a maioria só tem a alimentação (café da manhã, almoço, lanche e janta) garantida na rotina escolar.
“É muito importante o pão no café da manhã das nossas crianças. Trabalhamos na periferia e a maioria delas, provavelmente, recebe na escola o primeiro alimento do dia. Quando não temos doação do pão, temos que produzir, dar um jeito para garantir que nossos alunos comam direitinho”, explica João Carlos Rosa, presidente da entidade Obras Sociais Francisco Thiesen.
Enquanto as crianças comem o pão francês na escola, na Padaria da Liberdade responsável pela produção o trabalho está a todo vapor. Diariamente são 2,3 mil pães produzidos por seis reeducandos que cumprem pena em regime semiaberto no CPAIG (Centro Penal Agroindustrial da Gameleira). Por semana, são doados 5 mil pães para instituições filantrópicas e projetos sociais por meio do programa Mesa Brasil, os outros 6,5 mil pães são consumidos no Centro Penal.
“Foi uma surpresa muito agradável saber que os pães são produzidos por pessoas em processo de ressocialização. Eu gostaria muito que eles ficassem sabendo que as crianças de uma região periférica, tão carente como o Aero Rancho, comem o pão que eles fazem”, disse João Carlos.
Na padaria do Centro Penal a produção dos pães começa cedo. José Victor Souza André, chega para o expediente às 5h45. “Eu faço a massa, estico e asso o pão. Aprendi a fazer aqui, ganhei uma nova profissão. Desejo sair e continuar trabalhando na área, gostei muito. Sei fazer o pão italiano, rosca húngara, esfiha e pão de queijo. Mudou a minha vida. A gente vem do (regime) fechado sem perspectiva de trabalho e quando chega aqui tem oportunidade de arrumar emprego e ter uma profissão. É gratificante”, afirmou José Victor.
Ele é um dos padeiros do local e além de aprender o novo ofício, ajuda financeiramente a família. Os presos recebem um salário mínimo e a cada três dias trabalhados é diminuído um dia na pena. “Eu tenho dois filhos pequenos, então mando para minha esposa cuidar deles. É muito bom mesmo. O dinheiro que ganhei no crime, perdi tudo. O que ganho com meu trabalho está rendendo bastante. O trabalho representa tudo, dignidade, respeito. Você é visto com outros olhos, além de ocupar a mente e evitar a volta para o crime”.
José Victor sabe que os pães que ele faz são doados para instituições, beneficiando principalmente crianças. “Vai para hospital, crianças, pessoas que precisam. Isso é mais gratificante ainda, saber que estou ajudando famílias. Trabalhamos com mais vontade de fazer tudo para sair melhor, certinho e gostoso”.
A Padaria da Liberdade funciona em parceria com a Justiça, por meio da 2º Vara de Execução Penal, na qual parte da produção é doada ao programa Mesa Brasil. Como desdobramento do projeto, idealizado pelo juiz Albino Coimbra Neto, uma horta está sendo implantada no presídio para doações de hortaliças e legumes a pessoas carentes. A expectativa é de que a colheita ocorra em três meses.
Trabalho e ressocialização
O Centro Penal Agroindustrial da Gameleira atualmente conta com seis oficinas de produção industrial, empregando diretamente 180 reeducandos. No local, além dos pães, as frentes de trabalho incluem a confecção de churrasqueiras, reformas de carrinhos de supermercados, empacotamento de erva de tereré, cozinha e produção de bolas, entre outras atividades. Além disso, mais 450 detentos atuam em parcerias da Agepen/MS (Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário de Mato Grosso do Sul) fora do presídio.
Além das parcerias com empresas, a unidade é referência em ações voltadas para o social, como o projeto Revitalizando a Educação com Liberdade, que reforma escolas da Rede Estadual de Ensino, em Campo Grande, a 19ª obra em execução. A ação é realizada por meio de parceria com o Judiciário e a SED (Secretaria de Estado de Educação).
Ocupação prisional
As frentes de ocupação laboral no Centro Penal da Gameleira são resultados do empenho da equipe do Setor de Trabalho da unidade, com o apoio da direção do presídio e da Agepen. Realidade também refletida em outros presídios de Mato Grosso do Sul, fazendo com que o estado esteja entre os maiores índices de presos trabalhando, segundo estatísticas do Infopen (Sistema de Informações Penitenciárias).
Dados da Divisão do Trabalho da agência penitenciária apontam que, atualmente, aproximadamente 37% da massa carcerária exerce atividades laborais, número que supera a média nacional, que é de quase 26%. São aproximadamente de 6,4 mil reeducandos desempenhando atividades laborais e mais da metade são remunerados, por meios dos convênios estabelecidos. Os números não incluem os monitorados eletronicamente com tornozeleira.
A Agepen soma hoje 217 instituições públicas e privadas conveniadas para a ocupação da mão de obra prisional, abrangendo atividades como construção civil, confecção de vestuário, produção industrial de couros, frigoríficos, restaurantes, limpeza pública, serviços gerais, entre outros.
Natalia Yahn, Comunicação Governo MS / Colaborou Keila Oliveira, Agepen
Fotos: Bruno Rezende (destaque) / Keila Oliveira