Campo Grande (MS) – “Hoje concretizei um grande sonho, e agora posso provar para o mundo que eu sou capaz, que aprendi e venci. Tudo aquilo que eu passei ficou para trás e agora em diante eu tenho como provar que eu sou cozinheira”. O depoimento emocionado é da mais nova profissional da gastronomia Maria José Ferreira Dantas, 44 anos. A conquista, que pode até parecer corriqueira, representa muito para ela, que descobriu o gosto pela profissão dentro dos muros de uma prisão e hoje vê nela a oportunidade de traçar uma nova história de vida.
Maria José e outras 18 mulheres, entre custodiadas do sistema penal e vítimas de violência doméstica, foram qualificadas no curso de “Assistente de Cozinha”, oferecido pelo projeto nacional “Cozinha e Voz”. Realizado pela primeira vez em Mato Grosso do Sul, envolveu ainda, oficina de poesia, com o objetivo de desenvolver a oralidade e a expressão da linguagem das participantes, assim como, profissionalizá-las no ramo gastronômico para ingressarem no mercado ou apostarem no empreendedorismo.
Em cumprimento de regime semiaberto, a reeducanda revela que a parte mais marcante do projeto foi ver a confiança que o ser humano ainda tem no outro. “Apesar dos erros que cometemos ainda existem pessoas que apostam em nós, isso foi o mais importante para mim”, agradeceu a interna.
A entrega dos certificados às participantes foi realizada, nessa quarta-feira (28.11), em uma solenidade marcada pela emoção e esperança de um futuro promissor. O evento contou com a presença da atriz Elisa Lucinda e da chefe de cozinha Paola Carosella, idealizadora do projeto e uma das juradas do show de talentos MasterChef Brasil.
“É incrível ver o resultado, aprender com essas mulheres, com as histórias delas, a riqueza que eu ganhei e o compartilhamento de vivências que eu tive a sorte de conhecer”, declarou Paola Carosella, destacando que amor, educação e oportunidades iguais resumem o projeto. Segundo a chef, conhecida internacionalmente, o projeto tem um viés social mas também se presta a melhorar a situação da mão de obra no ramo da gastronomia. “O projeto se propõe a qualificar mulheres no ramo da gastronomia que é um mercado que só cresce no Brasil. O curso é muito caro e as pessoas não têm recursos para se qualificarem. Nós nos propomos a trabalhar com os diversos públicos com vulnerabilidade social, mudando suas vidas e encaminhando para o mercado de trabalho”, disse.
Voltado a atender mulheres em situação de vulnerabilidade, o curso de Assistente de Cozinha foi ministrado pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) que teve como foco o aprendizado de técnicas gastronômicas e a postura adequada. “As alunas aprenderam a se portar dentro da cozinha, a manusear facas e utensílios, a realizar pré-preparo e cortes de legumes, carnes, peixes e aves, além de montar a praça – área de trabalho dentro de uma cozinha”, informou a instrutora Miríam Arazini.
Segundo ela, a área gastronômica está em expansão no Brasil e no mundo todo, em contrapartida, ainda é muito carente de profissionais qualificados, mesmo porque essa profissão ainda não é regulamentada. “Então qualquer pessoa pode se tornar um cozinheiro, mas quem possui formação já sai com um pé na frente no mercado. Tenho certeza que todas serão empregadas, têm potencial”, assegurou.
Quatro participantes foram selecionadas para realização do estágio remunerado no restaurante escola do Senac e as restantes farão entrevistas de emprego para atuarem em bares e restaurantes de Campo Grande. Foi o que garantiu o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel/MS), Juliano Wertheimer.
“Eu nunca pensei na vida que eu iria participar deste projeto. Nós somos os que não são vistos na sociedade. Nós já erramos, sofremos violência e o que falta é oportunidade para sermos pessoas melhores e para não cometermos erros novamente. E foi isto que eu encontrei aqui”, afirmou Mayara Tatiane da Silva, 32 anos, que está em cumprimento de pena com tornozeleira eletrônica e foi uma das selecionadas pelo Senac.
No Estado, a iniciativa nacional é uma realização do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, por intermédio da Coordenadoria da Mulher e Escola Judicial, em parceria com o Ministério Público do Trabalho, a Organização Internacional do Trabalho, o Senac Gastronomia e Turismo, a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) e a Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (Agepen).
Para a diretora em substituição legal do presídio semiaberto feminino de Campo Grande, Cleide Santos do Nascimento Freitas, o projeto foi muito importante para as internas e trouxe oportunidades reais. “Durante as atividades elas estavam sendo observadas por empregadores da capital, principalmente o comprometimento e o desenvolvimento delas, e todas se dedicaram muito e com certeza as oportunidades agora virão”, afirmou a diretora.
Representando a direção da Agepen no evento, a chefe da Divisão do Trabalho Prisional, Elaine Alencar Cecci, ressaltou o trabalho integrado e apoio de parceiros para que um evento dessa natureza aconteça. “Isso reflete o empenho que foi feito nos bastidores, desde a questão documental até a logística para que todas custodiadas participassem das aulas”, argumentou defendendo que toda capacitação é o diferencial para uma inserção no mercado de trabalho de forma eficaz e que corresponde com a expectativa dos empregadores que buscam mão de obra qualificada.
A inclusão das custodiadas nessa iniciativa também contou com a colaboração da Prefeitura Municipal de Campo Grande e a Secretaria Municipal de Educação (Semed), com o oferecimento de vagas em creches para os filhos das participantes durante a realização do curso.
O projeto também teve o apoio do juiz da 2ª Vara de Execução Penal de Campo Grande, Mário Esbalqueiro Junior, da Subsecretaria Municipal de Políticas para Mulheres e da Casa da Mulher Brasileira, que foram responsáveis por indicarem o público alvo deste curso.
Estiveram presentes na cerimônia de certificação, a juíza coordenadora estadual da mulher em situação de violência doméstica e familiar de MS, Jacqueline Machado; o diretor regional do Senac, Vitor Mello; a secretária Municipal de Educação, Elza Fernandes; entre outros.
O oferecimento de cursos de qualificação a custodiados da Agepen, bem como de ensino formal regular, são coordenados pela Diretoria de Assistência Penitenciária, por meio da Divisão de Educação. Somente este ano, cerca de 900 custodiados em presídios de Mato Grosso do Sul foram qualificados em cursos realizados por meio de parcerias. Além disso, novas capacitações estão iniciando por meio do Programa de Capacitação Profissional (Procap).
Texto: Tatyane Santinoni e Keila Oliveira.
Fotos: Tatyane Santinoni e Divulgação TJMS.