Campo Grande (MS) – O que para alguns é visto com pessimismo, amargura e solidão, para outros é encarado como tempo de recomeço, de mudança de hábitos e comportamentos. Estar em um estabelecimento prisional também pode ser oportunidade para se profissionalizar e adquirir novos conhecimentos. Esse tem sido um dos focos da Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (Agepen) de Mato Grosso do Sul como ferramenta de reinserção social de custodiados.
É o caso de Cláudia da Silva Mendes, de 31 anos, que saiu do presídio e conseguiu montar seu próprio negócio através de capacitações realizadas enquanto estava reclusa. “Foi durante meu cumprimento de pena que tive a chance de aperfeiçoar minhas técnicas na área da estética, encontrei ali uma porta aberta e pessoas que acreditam em nossa recuperação”, conta.
Entre idas e vindas, Cláudia, que é natural de Sidrolândia, ficou mais de oito anos presa em Campo Grande sem o apoio de familiares. “Busquei forças em Deus e tive determinação em planejar meu futuro longe das grades, mas dentro da cadeia existem pessoas boas também e dispostas a ajudar”, relata.
Segundo ela, ainda existe muito preconceito da sociedade com quem que um dia esteve atrás das grades. Em seu depoimento, Cláudia relata uma experiência que viveu assim que ganhou a liberdade. Trabalhou por oito meses em um salão de beleza e quando a patroa foi registrá-la pediu os antecedentes criminais, foi então que Cláudia contou sua história e no outro dia acabou sendo dispensada do serviço.
“Infelizmente, há uma marca que nos acompanha e, muitas vezes, encontramos dificuldade de encontrar as portas abertas no mercado de trabalho. A sociedade precisa mudar a visão, quem nunca errou nessa vida?!”, argumenta.
Em meio aos percalços, Cláudia decidiu colocar em prática tudo que aprendeu nos cursos profissionalizantes no Estabelecimento Penal Feminino “Irmã Irma Zorzi” e, como alternativa para mudar sua trajetória resolveu trabalhar por conta própria. “Decidi ter uma vida diferente, longe do crime e criar meu filho honestamente, que hoje já está com 15 anos”, conta.
Dentre as capacitações na área da beleza, Cláudia saiu do presídio feminino com certificado em cursos de manicure, unhas em acrílico, gel, acrigel e porcelana, desenhos artísticos, além de designer de sobrancelhas e automaquiagem. Além das qualificações, Cláudia também sempre atuou em oficinas de trabalho dentro da unidade penal, mais uma alternativa que encontrou para sair da ociosidade.
“Priorizei os anos que fiquei na prisão para me capacitar e adquirir novas técnicas e experiência na área que gosto de trabalhar e deu certo. Hoje trabalho por conta própria, claro que na vida existem dificuldades, mas é tudo um processo e sei que estou no caminho certo”, comemora e incentiva as pessoas que estão vivendo o que ela já passou um dia.
Quem orienta e acompanha de perto toda a trajetória de Cláudia e é a agente religiosa, Maria do Roccio, que faz parte da Pastoral Carcerária de Campo Grande há mais de seis anos. “O que me motiva todos os dias em colaborar com a ressocialização dos custodiados é saber que é possível contribuir com a recuperação daqueles que um dia erraram, mas que realmente almejam dias melhores, basta termos disposição. Fico muito feliz em saber que faço parte de histórias como essa”, conta emocionada Maria do Roccio, que também é representante no estado da marca de cosméticos “Tracta” há 25 anos.
A Pastoral Carcerária da capital faz parte da Arquidiocese da Igreja Católica e realiza ações religiosas e de assistência, além de levar cursos profissionalizantes e doações para as unidades prisionais da capital. Todas as iniciativas são intermediadas pela Divisão de Promoção Social e coordenadas pela Diretoria de Assistência Penitenciária da Agepen.
Para proporcionar um efetivo cumprimento de pena e proporcionar oportunidades de reintegração social, a Agepen também realiza diversos projetos sociais dentro das unidades prisionais do estado. Muitas ações visam capacitar profissionalmente os custodiados e utilizam o trabalho prisional para beneficiar a própria população.
Segundo o diretor-presidente da Agepen, Aud de Oliveira Chaves, um dos exemplos é o cultivo de hortaliças para doar a instituições filantrópicas, além da confecção de perucas a mulheres com câncer, capacitação na área de construção civil para reformas de escolas e delegacias, entre outras iniciativas.
O ensino profissionalizante também é ministrado dentro dos presídios de Mato Grosso do Sul. Em 2017, 1.106 reeducandos foram capacitados profissionalmente por meio do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) e de parcerias da Agepen com instituições do Sistema “S”, Fundação Ulisses Guimarães, conselhos da comunidade, congregações religiosas e o Instituto Federal de Mato Grosso do Sul.
Para este ano, já estão previstos cursos em área pontuais, tendo como novidade oficinas em unidades prisionais nas áreas de corte e costura, marcenaria, serralheria e padaria, por meio do Programa de Capacitação Profissional, do Ministério da Educação (Procap).
Quem quiser conhecer o trabalho de Cláudia pode ir até o local que fica na Avenida Castelo Branco, 766 – Bairro Coronel Antonino.
Texto e Fotos: Tatyane Santinoni.