Campo Grande (MS) – Especialista há mais de 11 anos em confecção de bonecas de pano, a artesã Sherry Maia decidiu dividir seu tempo e conhecimento com reeducandas do Estabelecimento Penal Feminino “Irmã Irma Zorzi” (EPFIIZ), na capital. Dentro da unidade prisional, as detentas aprenderam, esta semana, a confeccionar as peças, que agregam valor sentimental e financeiro a cada produção.
A iniciativa foi realizada pela Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (Agepen), por meio da Divisão de Assistência Educacional, juntamente com a direção do estabelecimento penal.
Inspirada pelo mundo encantado e o amor ancestral das bonecas de pano, há cinco anos Sherry realiza workshops para ateliês de todo o Brasil. A artesã revela que encontrou nesse trabalho uma forma de se expressar. “No início era apenas uma fonte de renda, mas depois se tornou um estilo de vida. Desde a época da caverna, temos histórias de que as crianças brincavam com bonecas, seja feita com retalhos de pano, de madeira, graveto, sabugo de milho e até mesmo tijolo”, afirma.
Atuando de forma voluntária na unidade prisional, ela revela que a disseminação das técnicas de confecção de bonecas para as mulheres em situação de prisão tem como objetivo levar empoderamento. “Eu venho aqui e ensino a técnica e o dom vem depois; a ideia é que elas sejam multiplicadoras desse conhecimento, que pode ser usado como fonte de renda também”, enfatizou.
Muito mais que brinquedos ou enfeites, as bonecas de pano remetem às lembranças da mãe, avó e bisavó; além de transmitir amor, inocência e ternura. “Estou me reconectando, me reconhecendo de novo, aqui estou podendo distribuir carinho, coisa que eu não podia lá fora, por ser oprimida. E as bonecas têm exatamente essa essência, de espalhar amor e ternura”, destaca a interna S.N.A.V., 43 anos, agradecendo a oportunidade.
Artesã desde oito anos de idade, a detenta explica que o artesão se expressa através das peças. “É importante que a gente esteja bem para iniciar um trabalho e há muito tempo que eu não me sentia assim. Faz 16 anos que eu não fazia nada e foi aqui dentro do presídio que voltei a confeccionar o artesanato, a desenvolver o que eu mais amo. Posso estar presa pelo portão e os muros, mas estou livre dentro de mim”, desabafa.
Ao todo, 15 reeducandas estão participando da oficina, que será realizada a cada dois meses. Dentre as técnicas que estão sendo transmitidas, estão a montagem de corpo, linha de produção, modelagem da roupa, cabelo e o rosto da boneca.
Entusiasmada e atenta a cada detalhe, a interna Roseli Leite, 38 anos, se concentra para aprender tudo que está sendo passado durante a oficina. Ela teve seu primeiro contato com a arte da costura dentro do EPFIIZ e hoje confecciona crochês, tapetes, bolsas, entre outros. “Aqui na oficina somos uma família, uma ensina a outra, vamos superando juntas as dificuldades e aprendendo cada vez mais”, agradece ressaltando que todo conhecimento adquirido na prisão será aproveitado quando estiver em liberdade.
De acordo com a chefe do setor de artesanato do EPFIIZ, Michele Fruhauf, a intenção é que as internas continuem a confecção das bonecas até a próxima oficina, para praticarem tudo que aprenderam. “Aqui elas voltam a ser meninas e vivem o que perderam na infância, que, na maioria das vezes, foi tempo difícil para elas”, afirma.
Dentre as bonecas ensinadas por Sherry estão australianas, americanas, africanas, russas e norueguesas. “Conforme a neurociência, normalmente a boneca não tem boca, porque ela fala com o coração e passa a sensação de ternura e inocência para a pessoa”, explicou a artesã.
Segundo a chefe da Divisão de Assistência Educacional da Agepen, Rita de Cássia Argolo Fonseca, foram confeccionadas 20 bonecas de pano em um dia de oficina. “Todo conhecimento é muito importante para contribuir na reinserção da pessoa encarcerada no mercado de trabalho e essa qualificação é uma boa opção de fonte de renda para as mulheres atuarem como autônomas, garantindo o sustento para a família”, ressalta.
Além do estabelecimento penal feminino da capital, Sherry Maia, que mora na cidade de Miranda, também realiza trabalho voluntário no orfanato “Mãe Maria”, em Curitiba, que abriga crianças entre 10 e 17 anos. “Sempre fiz trabalho voluntário e sempre quis contribuir, de alguma forma, com as mulheres em situação de prisão”, finaliza.
Texto: Tatyane Santinoni e Keila Oliveira
Fotos: Tatyane Santinoni