Para garantir atendimento especializado, reeducandos que cumprem medida de segurança em unidades prisionais de Mato Grosso do Sul iniciaram as perícias por telemedicina. A medida começou em agosto e visa dar continuidade nos trabalhos, ao mesmo tempo, em que contribui na prevenção à proliferação da Covid-19, oferecendo maior segurança durante os atendimentos.
Realizada por uma equipe multidisciplinar, a ação faz parte do projeto “Reintegra” e é uma parceria conjunta entre a Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (Agepen), Ministério Público, Poder Judiciário – por meio da Coordenadoria das Varas de Execução Penal (Covep), Defensoria Pública, Secretaria Estadual de Saúde (SES), Secretaria de Saúde de Campo Grande (Sesau), Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) e Polícia Militar.
Cada caso é analisado individualmente pela Equipe de Avaliação e Acompanhamento das Medidas Terapêuticas Aplicáveis às Pessoas com Transtorno Mental em Conflito com a Lei (EAP), instituída pelo Ministério da Saúde, para dar suporte no fornecimento de tratamento adequado aos inimputáveis e semi-imputáveis, que se encontram no sistema prisional de Mato Grosso do Sul.
Conforme a coordenadora da EAP, Margarete Gaban, a principal função da equipe é conectar os pontos da rede de atenção à saúde às instâncias responsáveis pela condução dos processos judiciais dos reeducandos, para facilitar e agilizar o processo de desinternação.
“Juntamente com a equipe de Assistência à Saúde, montamos um projeto terapêutico de forma a colaborar na desinternação gradativa do reeducando, anexamos no processo criminal, fazemos a conexão com a família do apenado e realizamos todo o acompanhamento da medida terapêutica adequada pelo período determinado pelo juiz”, explica Margarete, que atua na Coordenadoria da Rede de Atenção Psicossocial da Sesau.
Reintegra
Com quase dois anos de existência, o projeto é desenvolvido no Estabelecimento Penal “Jair Ferreira de Carvalho” – de Segurança Máxima da capital, Instituto Penal de Campo Grande e Centro Penal Agroindustrial da Gameleira. Conforme decisão judicial, os internos que estão em medida de segurança do tipo internação recebem acompanhamento regular e tratamento psiquiátrico constante, por meio do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS).
De acordo com a assistente social da Máxima, servidora Maria Guiomar de Almeida, atualmente dez internos se enquadram nesse projeto na unidade e iniciaram os atendimentos por videoconferência com a chegada da pandemia.
“Muitos desses internos já cumpriram o prazo estipulado pelo juiz, mas não tem para onde ir, perderam o vínculo com a família, mesmo porque a maioria dos crimes cometidos são dentro da própria família. Então essa foi uma maneira responsável e integrada de se pensar sobre essa questão social sensível”, informou.
A intenção é que, a partir desse tratamento adequado, haja a saída progressiva das unidades prisionais desses reeducandos. De forma a garantir uma reintegração efetiva, a EAP conta com o Serviço Residencial Terapêutico, que fazem parte da Rede de Atenção Psicossocial.
Implantadas pela Sesau, as Residências Terapêuticas são moradias que acolhem as pessoas com transtorno mental que não possuem vínculos familiares, contam com cuidador capacitado para orientar as tarefas diárias, conduzir a rotina da casa, bem como, ajudar no controle da medicação.
Neste caso, é necessário que o apenado cumpra todas as determinações judiciais impostas. Além disso, também é providenciado o Benefício de Prestação Continuada (BPC), intermediado pela Secretaria Municipal de Assistência Social (SAS) junto ao INSS, para garantir a manutenção das necessidades básicas nesse momento de transição.
Atuação integrada
Atualmente, estão sendo acompanhados 45 reeducandos em medida de segurança com algum tipo de transtorno mental; desde o início do projeto, dez já foram desinternados e deixaram a prisão, realizando o tratamento ambulatorial no CAPS de referência.
De acordo com a titular da 50ª Promotoria de Justiça, promotora Jiskia Sandri Trentin, o “Reintegra” funciona como um programa intersetorial de desinternação dos pacientes cumprindo medida de segurança, que tenham algum problema mental. A intenção é proporcionar um ambiente adequado de tratamento, uma avaliação multiprofissional e que seja possível evoluir com estes pacientes para o tratamento ambulatorial.
“O objetivo é evitar que essas pessoas sofram rotineiras violações a seus direitos por permanecerem encarceradas por mais tempo que o necessário e o processo de desinternação tem dois propósitos principais: oferecer um tratamento devido e evitar a nova prática de infrações penais”, informa a promotora, ressaltando que o sucesso dos trabalhos se deve ao comprometimento dos representantes de cada instituição parceira, “parabenizo em especial a promotora Renata Goya, que foi a precursora desse projeto e o levou adiante com tanto empenho e afinco, trazendo os excelentes resultados que vemos hoje”, finaliza.
Tratamento individualizado
Desde o início dos trabalhos, os casos são analisados individualmente, verificado o lapso temporal, tipos de delito e que podem se iniciar esse tipo de tratamento.
Conforme a médica psiquiatra, Ana Carolina Ametlla Guimarães, o trabalho em si oferece suporte do ponto de vista psicossocial e jurídico. “É um desafio cuidar desse tipo específico de pacientes, mas que nos traz muita satisfação porque temos conseguido implementar ações que levam à reinserção social deles. Realizamos um acompanhamento e verificamos uma melhora clínica importante na maioria dos casos, e isso só foi possível através do diálogo entre as instituições envolvidas”, explica a médica que é responsável pela saúde mental na capital.
De acordo com o art. 97 do Código Penal, a medida de internação é aplicada quando se trata de pessoas inimputáveis ou semi-imputáveis, sendo que, ao inimputável é aplicada a medida de segurança de internação ou tratamento ambulatorial por tempo indeterminado.
Para o diretor-presidente da Agepen, Aud de Oliveira Chaves, a união de esforços entre diversas instituições públicas em prol da humanização da pena tem proporcionado ações que priorizem a reinserção social dos apenados e um retorno ao convívio social e familiar mais adequado, incentivando a mudança de comportamento e a não reincidência no crime.
“No caso de quem cumpre medida de segurança, esse projeto visa uma liberdade assistida e monitorada até a real reintegração social, de forma muito responsável, demonstrando a preocupação mútua de todos os envolvidos”, ressaltou o dirigente.
As ações de saúde dentro das unidades penais do estado são coordenadas pela Diretoria de Assistência Penitenciária da Agepen, por meio da Divisão de Saúde Prisional.
Tatyane Santinoni e Keila Oliveira.