Assim que a 13ª escola pública estadual de Mato Grosso do Sul estiver com a obra concluída pelo projeto “Revitalizando a Educação com Liberdade serão mais de R$ 3 milhões de dinheiro de detentos de Campo Grande investidos na reforma geral de escolas da rede Estadual de Ensino, na capital. O projeto é realizado por meio de parceria entre a Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (Agepen), Tribunal de Justiça de MS, Conselho da Comunidade e a Secretaria de Educação do Estado de MS (SED), e conta com o apoio do o Ministério Público do Trabalho e o Senai, que oferece a formação gratuita dos presos no canteiro de obras.
Os valores investidos foram calculados pelo Tribunal de Justiça e arrecadados com o desconto de 10% dos salários, pela 2ª Vara de Execução Penal, dos detentos que trabalham, via convênio, na Capital. Pelo cálculo divulgado, em oito anos, os cofres públicos economizaram mais de R$ 11 milhões com a iniciativa.
As escolas reformadas recebem quadras, coberturas novas, bibliotecas e muito mais. Os detentos que participam de todas as fases do projeto, desde a alvenaria até a pintura, recebem três certificados: pedreiro de alvenaria, pedreiro de revestimento e pintor de obras.
Policial penal há 27 anos, Sandro Roberto dos Santos é quem acompanha e fiscaliza o trabalho diário dos reeducandos nas escolas. Ele relata que os detentos são selecionados para o projeto por conhecimento do ofício e por comportamento, embora muitos sejam preparados pelo Senai para atuar na reforma das escolas. Como é fazer parte de um projeto que economiza mais de três milhões aos cofres públicos?
“É ótimo, porque todos nós, cidadãos, ajudamos a pagar essa conta. Minha preocupação é com mão de obra qualificada e neste projeto trabalhamos como se fosse para nós, com a oportunidade de adquirir material de qualidade, lutando pelo melhor preço, negociando, economizando, sem precisar de material de segunda linha”, contou.
Sandro relatou que são pouquíssimos os que reincidem no crime depois de trabalhar do projeto, pois, em razão da profissão, são absorvidos pelo mercado de trabalho e seguem uma nova vida e exemplificou como a experiência de fazer parte do projeto pode resultar em histórias de sucesso. “Temos o Roberto, que cumpriu a pena, abriu uma empresa e agora é nosso parceiro no projeto. Como não temos eletricista fixo, em razão da alta rotatividade, o Roberto se profissionalizou e trabalha conosco na obra. No final, ele emite nota fiscal e recebe pelo projeto”.
Sobre como a sociedade vê esses reeducandos que contribuíram até o momento com uma economia de mais de R$ 3 milhões para os cofres públicos, Sandro deixa um recado. “Venham ver. A comunidade ainda tem uma rejeição muito grande quando se fala que os trabalhadores nas reformas são detentos e quando terminamos, todos querem nos conhecer. A comunidade deveria vir para a escola para entender o que fazemos e saber que todos podem errar. Eles estão findando a pena e consideram gratificante trabalhar nessas reformas. Todos precisam saber que o projeto é bom, pois cria postos de trabalho, gera economia para o Estado, além de oportunidade de reinserção na sociedade”, finalizou.
13ª escola
O olhar sem preconceito foi um dos destaques da diretora da escola Escola Estadual Profª Joelina de Almeida Xavier, Rose Helena Pádoa Barbosa. Ela explicou como o estabelecimento de ensino foi selecionado para ser a 13ª obra de reforma e conta entusiasmada que os alunos e professoras ganharam mais que pediram. Até o momento, 188 estudantes já estão matriculados. as obras iniciaram em novembro na escola instalada no Jardim Guanabara, e devem ser concluídas agora em março.
“A cozinha será ampliada e permitirá melhor manuseio e preparo dos alimentos, teremos também uma dispensa para armazenamento dos alimentos e ganhamos uma biblioteca. Local que muitos de nossos alunos nunca viram”, relata feliz.
A reforma será um divisor de águas para alunos e professores. Com atendimento em horário integral, as mudanças começam pela hora do almoço, já que todos faziam as refeições nas salas de aula e, com a finalização da obra, terão um refeitório – que é o local adequado, inclusive para o descanso entre um período e outro de aulas.
A construção de uma biblioteca, no entanto, foi o que mais empolgou a comunidade escolar. A diretora explica que antes os livros ficavam em caixas e era lidos na sala de aula, contudo, a biblioteca será mais que um local para leitura e aprendizado, mas sim um lugar que permitirá pesquisas e aprimoramento da educação.
“Seremos atendidos além da expectativa. O pátio será totalmente coberto, teremos um refeitório e uma biblioteca, além da ampliação de outros espaços e reforma de todo o prédio. Nossa preocupação agora é conscientizar os alunos da necessidade de preservação do local. Nossa clientela do 6º ao 9º ano, do ensino fundamental, é composta por estudantes extremamente vulnerável, por isso, precisaremos fazer um trabalho muito bom de conscientização”.
No total, nesta escola a previsão de investimento é de R$ 680 mil para o custeio de todo o material necessário para a reforma hidráulica e elétrica do prédio, pintura completa, instalação de nova cobertura metálica, construção de uma biblioteca, de um local apropriado para armazenar alimentos, reforma de banheiros, jardinagem, etc.
Ressocialização
Atualmente, participam das obras 25 reeducandos do regime semiaberto do Centro Penal Agroindustrial da Gameleira. E um deles é Erivaldo Barbosa Venâncio, preso aos 18 anos, que ficou pouco mais de um ano em liberdade e reincidiu. Ele não tinha profissão. Erivaldo está de volta ao sistema penal há nove anos, mas aguarda com ansiedade o final da condenação para voltar ao convívio familiar.
“É muito importante fazer parte desse projeto, porque estamos reformando uma escola que permitirá a muitas crianças ter um futuro melhor, uma vida melhor, uma escolha que não tivemos, por isso fazemos tudo com muito carinho. É a segunda escola da qual participo da reforma e abraçamos cada oportunidade como única”, contou.
A intenção não só de Erivaldo, mas também de muitos outros presos que participam das reformas, é continuar exercendo a profissão que aprendeu em razão do projeto. Ele agora é pintor e já faz planos para quando estiver livre, convivendo em sociedade: quer abrir uma empresa, trabalhar de forma digna e honesta para sustentar a família.
“Meu maior sonho é conviver com a família e aproveitar o crescimento do meu filho, que completará 12 anos. Não temo o preconceito da sociedade. Acredito que a experiência adquirida nesse trabalho permitirá ingressar no mercado de trabalho. Eu me ofereci para este trabalho porque, quando sair do presídio, terei uma profissão. Tenho muita gratidão pela oportunidade de ter uma profissão e sou muito grato a tudo o que fazem por mim aqui”. Concluiu.
Outro a fazer parte deste projeto social é Adailton da Mata Souza, 30 anos, que trabalha como serralheiro e considera muito importante integrar o grupo de trabalhadores que atuam nas reformas, tanto por sua profissionalização quanto por saber que seu trabalho resultará em mais recursos para os muitos estudantes da escola.
Ele estudou até a antiga 8ª série, era lavador de carros, contudo, no sistema prisional fez o curso para ser serralheiro no Senai, que tem parceria com a 2ª VEP. Adailton trabalhava em outra empresa, mas foi convidado a integrar o Revitalizando e aceitor por considerar que a profissão abrirá muitas portas de trabalho, quando for reintegrado à sociedade.
“É gratificante fazer parte do projeto porque isso nos trará muitas oportunidades de trabalho, em uma nova vida, um novo caminho. Podemos errar, mas não devemos continuar no erro. Meu sonho é me destacar na profissão, mudar de vida, viver uma vida digna e um dia ter meu próprio negócio. Se eu pudesse dizer algo à sociedade, diria para apoiar só reeducandos. Nós precisamos desse apoio”, explicou.
Com informações do TJMS.
Fotos: Keila Oliveira