Campo Grande (MS) – Se o prazer proporcionado pela leitura é instigante para os que podem escolher aonde ir, para os que passam os dias atrás das grades de uma prisão é uma alternativa para amenizar a saudade e preencher o tempo. Na data em que se comemora o Dia Mundial do Livro, 23 de abril, a liberdade e conhecimento impressos nas páginas das obras literárias também podem ser celebrados em presídios de Mato Grosso do Sul.
Literaturas, romances, autoajuda, religiosos, dicionários e jurídicos compõem o acervo de quase 30 mil livros catalogados pela Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (Agepen) e distribuídos em 22 bibliotecas dentro dos estabelecimentos penais do estado.
Para facilitar o acesso dos detentos e estimular o gosto pela leitura, no Presídio de Trânsito de Campo Grande (Ptran), as grades que separam a quadra de esportes do corredor de acesso viram uma estante improvisada, no sentido de atrair mais leitores. Diariamente, os livros deixam a biblioteca e percorrem os corredores do presídio em um carrinho de mão, conduzido por um interno responsável, que controla os empréstimos e devoluções.
Mesma técnica é utilizada no Instituto Penal de Campo Grande (IPCG), durante o banho de sol. Com um acervo de 2.408 livros, a média no IPCG é de 180 empréstimos por mês, com prazo de sete dias para a devolução.
No Estabelecimento Penal Feminino “Irmã Irma Zorzi” (EPFIIZ), na capital, muitas reeducandas também dividem o tempo no presídio entre o trabalho, estudo e a leitura. “De manhã eu fico na escola, onde estou terminando o ensino médio e à tarde já começo a leitura na cela”, conta a reeducanda N.A.S.F., de 31 anos, revelando que chega a ler três livros por mês.
Para a interna, que está presa há cerca de 18 meses, a leitura representa transformação de vida. “Me considero presa apenas fisicamente, porque com a leitura minha mente se torna livre, me sinto em um mundo à parte”, afirma a reeducanda que sonha em cursar a faculdade de Fisioterapia assim que conquistar a liberdade.
Remição pela Leitura
A remição da pena por meio da leitura também é um grande incentivador para quem se encontra em situação de prisão, é o que estabelece a Recomendação Nº 44 / 2013 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Segundo a norma, o preso deve ter o prazo de 21 a 30 dias para a leitura de uma obra, apresentando ao final do período uma resenha a respeito do assunto, que deverá ser avaliada por uma comissão. Cada obra lida possibilita a remição de quatro dias de pena, com o limite de doze obras por ano, ou seja, no máximo 48 dias de remição por leitura a cada doze meses. As recomendações são de que as obras sejam de literatura tecnológicas, científicas e literatura brasileira.
Atualmente, este tipo de remição já está sendo desenvolvida em estabelecimentos prisionais de cinco municípios. São os juízes das Varas Criminais de cada Comarca que estabelecem as portarias, explicando a maneira como serão realizados os trabalhos.
Conforme a chefe da Divisão de Assistência Educacional da Agepen, Rita de Cássia Argolo Fonseca, está em fase de elaboração um projeto de padronização para implantar a mesma metodologia da remição por leitura em todos os presídios do estado. “A intenção é que todas as unidades penais estejam aptas a fornecer a remição por leitura, além disso, pretendemos unificar a forma como essa remição será desenvolvida e avaliada em conjunto com o Poder Judiciário”, complementou Rita.
A ideia é formar uma comissão em cada unidade penal, que será responsável por orientar os reeducandos interessados em participar do projeto, distribuir as obras e supervisionar durante a elaboração das resenhas, as quais serão entregues à Vara de Execução Penal de cada Comarca para a avaliação e, posteriormente, concessão dos quatro dias de remição por livro lido. A seleção dos custodiados para participar será realizada conforme os critérios previstos na Lei de Execução Penal (LEP).
“A remição pela leitura é uma forma de incentivar e estimular ainda mais os internos a praticar este hábito dentro das unidades penais, o que elimina a ociosidade e amplia o conhecimento deles”, defende a diretora de Assistência Penitenciária da Agepen, Elaine Arima Xavier Castro. Segundo ela, essa padronização que está sendo proposta irá facilitar os trabalhos, bem como ampliar o acesso dos detentos ao mundo da leitura.
Parcerias
Dentro das ações voltadas ao estímulo à leitura em presídios, Agepen estabelece diversas parcerias com instituições públicas e privadas para ampliar o acervo de livros e para a implantação de projetos de reintegração social. Entre elas, foi firmada com a Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Mato Grosso do Sul (OAB-MS) uma campanha de arrecadação de livros para estimular os benefícios proporcionados pela leitura entre detentos do estado. Já no primeiro dia, 150 livros foram doados pela Associação Comercial e Industrial de Campo Grande (ACICG).
Também foi efetivada parceria entre a agência penitenciária e o Centro de Ensino Superior de Maringá (Unicesumar) para a arrecadação de livros. A campanha foi iniciada em dezembro pela universidade, em parceria com a editora “A Página”, e arrecadou 141 livros.
Outro importante colaborador do sistema penitenciário dentro desse contexto é a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), a qual está contribuindo no desenvolvimento do projeto “Educação para a Liberdade” com reeducandas de Corumbá.
Para o diretor-presidente da Agepen, Aud de Oliveira Chaves, o conhecimento proporcionado pela leitura é uma ferramenta capaz de transformar comportamentos e visão de mundo de uma pessoa. “É uma oportunidade de crescimento pessoal e profissional, além de ser um importante instrumento de ressocialização”, destaca o dirigente, agradecendo a todos os parceiros que contribuem com o sistema prisional e, consequentemente, com uma sociedade melhor.
De acordo com a Divisão de Assistência Educacional da Agepen, qualquer pessoa também pode fazer doações, não serão aceitos livros didáticos, enciclopédias e de áreas técnicas ou profissionais. Interessados em doar devem entrar em contato com o setor pelos telefones (67) 3901-1438/1439.
Texto: Tatyane Santinoni e Keila Oliveira.
Edição: Keila Oliveira.
Fotos: Divulgação Ptran e Tatyane Santinoni.