Campo Grande (MS) – Um gesto simples de amor ao próximo ajudou a reeducandas do Estabelecimento Penal Feminino “Irmã Irma Zorzi” (EPFIIZ), na Capital, a voltarem a sonhar e buscarem um novo sentido para a vida. As detentas participaram do projeto 1000 Tsurus Por 1 Desejo, que busca levar mensagens de amor, paz, esperança e boa sorte a crianças doentes, através de pássaros feitos a partir de dobraduras de papel, conforme tradição da cultura japonesa. A entrega das peças à organização do projeto foi realizada nesta sexta-feira (7).
A iniciativa na unidade prisional fez parte de uma parceria entre a Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (Agepen) e a coordenação do projeto, “com o objetivo de inserir a massa carcerária nesta ação do bem”, conforme explica o diretor-presidente da Agepen, Ailton Stropa Garcia. “Representa uma ocupação produtiva, agregada a valores humanos, que influenciam positivamente cada uma delas”, afirma.
Segundo a organizadora da ação, Ligia Oizumi, as mil unidades confeccionadas no presídio serão juntadas a outros nove mil tsurus que foram feitos em diferentes ações sociais em vários pontos de Campo Grande, e serão entregues a crianças em hospitais da cidade, durante as comemorações do dia 12 de outubro, além de serem distribuídos em outros municípios do Estado e encaminhados à cidade de Hiroshima, no Japão. “Agradeço a vocês pelo empenho, pelo exemplo em se dedicar às essas crianças, se cada um fizesse a sua parte, como vocês fizeram neste projeto, com certeza teríamos um mundo muito melhor”, agradeceu.
Das mil dobraduras confeccionadas na unidade – sob a coordenação da chefe do setor de trabalho do EPFIIZ, agente Michele Aparecida Fruhauf – 800 delas tiveram a participação de três reeducandas, que descobriram na arte de se doar por uma causa boa, motivação para correrem atrás dos seus sonhos, são elas: Zilda Heloísa Gaiser da Silva, 19 anos; Adelaine de Araújo Tenório Silva e Lana Sumaia Mendes Portilho, ambas com 22 anos.
A custodiada Zilda conta que aproveitou os horários vagos da escola para fazer as dobraduras. Atualmente cursando a primeira fase do ensino médio no presídio, ela revela que voltou a sonhar em ser médica pediatra. “Enquanto eu dobrava os papéis pensava nas coisas que poderia ter feito, nos meus sonhos. Meu objetivo agora é dar um passo de cada vez, vou terminar o ensino médio aqui no presídio, em dezembro do ano que vem ganharei a liberdade e vou fazer primeiramente um curso técnico de enfermagem, vou estudar muito e tentar uma faculdade de medicina”, revela.
O sonho de se garantir através dos estudos e de uma profissão digna também é compartilhado por Adelaine, que deseja ser farmacêutica; ela cursa a última fase do ensino médio no EPFIIZ. Sobre a participação no projeto, garantiu que ajudou a provocar um novo ânimo, a partir da mensagem passada e pelos ensinamentos da cultura japonesa que recebeu. “Deu uma nova esperança, percebemos que os sonhos não são impossíveis, basta a gente querer e correr atrás”, disse.
Mãe de um menino de 4 anos, Lana também quer estudar, e se tornar advogada, mas a proposta do projeto e a dedicação durante várias tardes, no tempo livre da escola, a fez refletir sobre o local onde está e a distância do filho. “Me tocou muito, me trouxe paz também em saber que irei estar ajudando, de alguma forma, outras crianças, é o que eu gostaria que fizessem pelo meu filho”, declarou.
Também participaram da cerimônia de entrega dos tsurus de papel o diretor de Assistência Penitenciária da Agepen, Gilson Martins, e a diretora do presídio, Mari Jane Boleti Carrilho.
Lenda do Tsuru
Sadako Sasaki, a menina que transformou o tsuru em pássaro da paz para os japoneses, tinha somente 2 anos de idade quando a bomba de Hiroshima foi lançada no Japão, no dia 6 de agosto de 1945. Sem qualquer ferimento, acabou levando uma vida normal, praticando até mesmo atletismo.
Com 12 anos, porém, em 1955, depois de participar de uma prova de corrida, sentiu tonturas e cansaço. O seu estado de saúde piorou nos dias seguintes e acabou sendo diagnosticada com a então “doença da bomba atômica”, acometida por leucemia.
Chizuko, sua melhor amiga, levou papéis de origami numa das visitas e contou a Sadako a lenda dos mil tsurus, dizendo que, se ela fizesse um pedido e dobrasse mil aves de papel, teria seu desejo atendido.
Sadako começou a fazer os origamis, pedindo aos deuses que lhe concedesse a cura. Para chegar aos mil, contou com a ajuda dos amigos e familiares, que iam visitá-la no hospital. No entanto, em 25 de outubro de 1955 acabou morrendo, antes de completar os mil tsurus.
Inspirados por sua força e coragem, os amigos e a família montaram um livro com as cartas escritas por ela e publicaram. Dali surgiu a ideia de construir um monumento para Sadako e para todas as crianças que morreram vítimas da bomba atômica. A ideia encontrou solidariedade em outros jovens, que passaram a arrecadar dinheiro para o projeto e, em 1958, a estátua de Sadako segurando um tsuru dourado foi instalada no Parque da Paz de Hiroshima.
Os jovens e crianças envolvidos no projeto tiveram sua marca escrita na estátua: “Este é o nosso grito. Esta é a nossa reza. Paz no mundo”.