Campo Grande (MS) – Projeto pioneiro desenvolvido na Penitenciária de Segurança Máxima de Campo Grande está transformando pneus velhos em parques de diversão para crianças de Centros de Educação Infantil (Ceinfs) da capital. Nas mãos dos detentos, os materiais, que provavelmente iriam acabar poluindo o meio ambiente, estão ganhando forma de balanços, escorregadores, centopeias, jogos educativos, entre outros, tudo muito colorido e lúdico.
Iniciado este mês, o “Arte com Pneus” é uma parceria entre a Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (Agepen) e a Secretaria Municipal de Educação (Semed). O projeto foi idealizado pelo agente penitenciário Vinícius Saraiva de Oliveira e pelo técnico de Ceinfs, Felipe Augusto da Costa, que viram na iniciativa a oportunidade de unir três áreas que necessitam de uma atenção especial e de projetos que façam a diferença: educação infantil, meio ambiente e sistema penitenciário; além de colaborar no combate a mosquitos vetores de doenças, como o Aedes Aegypt, transmissor da dengue, zika e chikungunya.
Atuando como educador há seis anos, Felipe conta que a ideia do projeto surgiu, primeiramente, pela deficiência, pela falta de infraestrutura que atende crianças das comunidades da capital. “As unidades dos Ceinfs são precárias de parques e trouxemos essa ideia para o sistema penitenciário, então acabou unindo as deficiências de duas realidades. Eu acredito que as crianças serão mais felizes com a instalação desses parques e os internos também ficam contentes de poder ajudá-las de alguma forma”, diz.
Segundo o agente Vinícius, para que o “Arte com Pneus” se torne realidade, também conta com colaboradores, entre eles os próprios agentes penitenciários, que doaram parte dos pneus que estão sendo utilizados. “É importante destacar que tudo isso está acontecendo graças ao suporte da Agepen e da Semed, além do empenho da direção do presídio e a colaboração do corpo de segurança da unidade. É um trabalho em equipe mesmo, onde cada um tem seu valor e importância”, agradece.
Conforme o agente penitenciário, muitos dos modelos dos brinquedos se baseiam em pesquisas na internet, com a preocupação de atender a faixa etária dos Ceinfs que é de até cinco anos. “Então trazemos para os internos e eles desenvolvem os trabalhos. Para a confecção dos brinquedos, os pneus são selecionados e lixados antes do uso, inclusive durante a montagem são furados para não acumular água nos parques”, detalha, ressaltando que a durabilidade dos brinquedos com pneus é bem maior que de outros materiais.
De acordo com o diretor da penitenciária, Paulo Godoy, seis internos realizam os trabalhos de montagem e acabamento dos brinquedos e recebem remição de um dia na pena a cada três de serviços prestados. “Ao se ocupar o interno fica feliz por diminuir sua pena e também acaba tendo uma disciplina melhor, o que reflete na rotina de segurança da unidade prisional”, garante.
Conforme Godoy, a meta é concluir, até o final deste mês, a entrega de 100 a 150 brinquedos. Porém um dos principais desafios da iniciativa está sendo a captação de pneus, especialmente os maiores, como os de tratores e caminhões, e que estejam em condições de serem aproveitados, porque não é qualquer pneu que pode ser utilizado, não podem ter arames de aço soltos. “Estamos buscando doações para que possamos fazer o maior número possível de brinquedos”, comenta.
Para o diretor-presidente da Agepen, Aud de Oliveira Chaves, ações como o “Arte com Pneus” aproximam o sistema penitenciário com as questões sociais e refletem o esforço da instituição em reintegrar a pessoa privada de liberdade. “Considerando o tempo de decomposição dos pneus no meio ambiente ser de aproximadamente 600 anos, o novo projeto possui forte cunho social. Além de transformar esse material em algo produtivo para as crianças, acaba unindo a educação, a saúde e as unidades penais; e isso é importante para toda a sociedade”, ressaltou o dirigente.
Reinserção Social
Se para os alunos dos Ceinfs o projeto será motivo de comemoração e certeza de horas de diversão, para os detentos envolvidos representa a evidência de que a vida pode seguir um caminho diferente. “Desenvolver esse projeto me ajuda bastante, no sentido de ter uma visão diferente do mundo, assim como um pneu velho pode ser transformado em algo bom, eu como ser humano que cometeu um erro no passado também posso ser alguém melhor, basta querer, depende de mim”, declara o interno Vando Aparecido Vicente Santos, 39 anos, que há sete cumpre pena no presídio.
Segundo o detento, que é o responsável por dar forma às peças, também é gratificante saber que um trabalho seu vai levar diversão e alegria para crianças. “Eu também tenho um filho que pode ser beneficiado e sei que quando eu sair em liberdade e ver o meu trabalho sendo aproveitado eu vou me sentir muito feliz e satisfeito”, diz.
Artesão por amor e talento, o reeducando Jair Moro Conque, 43 anos, é quem dá o toque final nos brinquedos. Há 11 anos cumprindo pena, ele garante que renova as esperanças a cada traço preciso do pincel. “Esse projeto é bom para todos os lados, ajuda as crianças, nos ajuda ocupando nosso tempo em algo produtivo, tem a remição da pena também, além de levar consciência referente à reciclagem, onde a maioria das coisas que jogamos fora pode ser usada para desenvolver algo diferente, basta criatividade e força de vontade”, afirma.
Texto: Keila Oliveira e Tatyane Santinoni.
Fotos: Keila Oliveira.