Campo Grande (MS) – Longe da sala de aula há 22 anos, o interno Wagner Silva França, 38 anos, encontrou dentro da unidade prisional a oportunidade de retomar os estudos. Prestes a concluir o Ensino Médio, o reeducando garante que além de agregar novos conhecimentos, as aulas têm transformado a mente e o comportamento daquele que cumpre pena em regime fechado há mais de quatro anos.
“Assim como em qualquer escola, participamos das festividades do calendário nacional e têm sido uma forma de expor nossos sentimentos, angústias e sonhar com uma vida digna ao lado da família”, afirma o interno que participou do teatro e uma paródia desenvolvida por reeducandos do Estabelecimento Penal “Jair Ferreira de Carvalho” – presídio de Segurança Máxima da capital.
As apresentações fazem parte da comemoração escolar da festa caipira, realizada por alunos da Escola Estadual Polo Prof.ª Regina Lúcia Anffe Nunes Betine, responsável pelo ensino regular nas unidades penais de Campo Grande.
Utilizando a cultura no reforço à educação, as tradicionais festas juninas acontecem em unidades prisionais de Mato Grosso do Sul, como parte do calendário escolar dos internos, por meio de parceria entre a Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (Agepen) e a Secretaria de Estado de Educação (SED).
Os festejos são organizados pelas direções dos presídios em conjunto com as escolas estaduais polo, que possuem extensão dentro do sistema prisional. O objetivo é contribuir com a reintegração social, além de proporcionar a confraternização entre os reeducandos, professores e servidores, garantindo momentos de descontração e mais harmonia ao ambiente prisional.
Em meio a descontração e fantasias, as salas de aula se transformam em palcos de novos talentos. A descoberta se traduz em danças, músicas, apresentação de teatros, paródias, declamação de poemas e exibição de trabalhos artesanais. Tudo confeccionado pelos reeducandos, desde a decoração até elaboração das peças e das comidas típicas.
“Agora meu sonho é fazer uma faculdade de Biologia, trilhar uma profissão intelectual e oferecer um futuro melhor para meus dois filhos”, assegura Wagner, reforçando que voltar a estudar reacendeu nele uma vontade de seguir um novo estilo de vida.
O detento José Luiz Clementino de Oliveira, 26 anos, interpretou o padre durante a cerimônia de um casamento caipira. “É muito interessante ter essa oportunidade de comemorar as festas juninas, todos os nossos trabalhos na escola têm sido bem produtivos, o convívio entre nós também melhorou bastante e durante as aulas saímos um pouco do ambiente do cárcere”, afirma o interno que está preso há quase três anos.
Segundo o diretor em substituição legal da escola Regina Betine, Luiz Fagner Amarilha de Barros, esses eventos são realizados como forma de expor o resultado do trabalho dos alunos, assim como, possibilitar um feedback para eles. “Além disso, é uma forma de socializar, de integração e aproximação com a sociedade; durante os trabalhos foram desenvolvidas atividades interdisciplinares, saindo um pouco da teoria e despertando ainda mais o interesse deles”, destacou.
Tradição
Os festejos juninos são realizados em 26 presídios de Mato Grosso do Sul, que possuem extensão escolar. Com os estabelecimentos prisionais enfeitados por bandeirolas e com músicas típicas, durante as comemorações são apresentadas poesias e danças tradicionais, como a quadrilha, a apresentação country e o casamento caipira.
Além disso, barracas educativas com jogos de conhecimento e entrega de brindes como recompensas também são organizadas; comidas típicas também são servidas, como bolo de milho, canjica, “chatão” (chá de gengibre, dando referência ao famoso quentão), cachorro-quente, pipoca, entre outros.

O Estabelecimento Penal Feminino de Rio Brilhante foi uma das 26 extensões escolares que realizou festa junina (foto principal também).
A ideia central é trazer para dentro dos presídios, os tradicionais festejos presentes no calendário cultural de todo o Brasil, levando motivação aos apenados e auxiliando na ressocialização.
No Estabelecimento Penal Feminino “Irmã Irma Zorzi” (EPFIIZ), por exemplo, a programação de encerramento do semestre contou com a tradição da cultura típica de comidas, danças, brincadeiras e dança caipira. As reeducandas também realizaram diversas apresentações como em libras, poemas, exposição de artesanatos confeccionados com materiais reciclados; produção de sabonete medicinal, desodorante e caixinhas de MDF através de colagens exóticas.
Além disso, uma aluna representou o passado, o presente e o futuro numa linguagem teatral. Com alegria, autonomia e reverência, foi apresentado um rap em homenagem a professora Rita Laurentino; assim como, a reprodução em forma de bonecas de jornal e biscuit a profissão dos sonhos de cada interna.
Para a diretora da unidade penal, Mari Jane Boleti Carrilho, esse entrosamento demonstra o resultado do acolhimento, da empatia, do respeito e da vontade em aprender o que realmente vale a pena e faça a diferença na vida das alunas. “É desta forma que devolvemos às reeducandas o sonho, a esperança, a dignidade e as escolhas de suas verdades”, afirmou.
De acordo com o diretor-presidente da Agepen, Aud de Oliveira Chaves, o principal foco é transmitir a valorização aos detentos, para que se sintam inseridos na vida que acontece fora dos muros da unidade penal, sendo a educação uma das principais ferramentas para isso.