Campo Grande (MS) – Trabalho em equipe, companheirismo e aperfeiçoamento profissional são qualidades tratadas no projeto Pintando e Revitalizando a Educação com Liberdade. Além de promover a reforma completa de escolas estaduais com o uso da mão de obra de detentos do regime semiaberto de Campo Grande, a iniciativa auxilia na ressocialização e no resgate de valores morais que, muitas vezes, foram perdidos antes de ingressarem no sistema prisional.
“Ao beneficiar crianças e adolescentes, sei que estou produzindo e plantando algo bom, pagando por algo de errado que fiz no passado, é uma forma de me redimir e diminuir o peso da minha consciência com os erros que já cometi”, desabafa o reeducando Antônio Luiz Macedo, 66 anos, que trabalha como servente pedreiro no projeto e cumpre pena no Centro Penal Agroindustrial da Gameleira.
Em sua segunda reforma de escola, Antônio, que sempre trabalhou em fazendas, garante que vê na ocupação uma oportunidade de se aperfeiçoar e conquistar novas opções, mesmo com a idade avançada, já que sempre é tempo de recomeçar. “Inclusive vou fazer o curso profissionalizante na área de pintura predial através deste projeto e, como ano que vem já vou sair em liberdade condicional, acredito que esses aperfeiçoamentos compensarão muito, porque o ramo da construção civil tem bastante oportunidade de trabalho no mercado”, destaca.
A sensação gratificante de trazer retorno positivo para a sociedade com o trabalho de suas mãos também é compartilhada pelo interno e pintor predial Marco Aurélio de Oliveira, 38 anos. “É uma oportunidade de mostrar do que somos capazes de fazer e da nossa vontade de mudar e melhorar; existem recompensas que não se pagam com dinheiro, ver a satisfação no olhar de todos não tem preço e saber que contribuímos para isso nos dá muita alegria”, comemora.
“Esta reforma vai estimular os alunos a estudarem mais, mesmo porque um ambiente melhor estruturado traz motivação para eles, e eu me sinto feliz por contribuir com isso”, completa o detento Benedito Motta Ricardo, 46 anos, que é pedreiro profissional e também utiliza suas habilidades no projeto.
O objetivo de utilizar o trabalho como forma de ressocialização tem suprido as expectativas, conforme o diretor-presidente da Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (Agepen), Aud de Oliveira Chaves. “É neste sentido que temos buscado parcerias de sucesso para beneficiar os custodiados assim como toda a sociedade, como é o exemplo deste projeto, reconhecido nacionalmente”, afirma o dirigente.
As obras realizadas nas escolas estaduais da capital, pelo Pintando e Revitalizando a Educação com Liberdade, vão desde reforma na parte estrutural até a troca de todo o sistema elétrico e hidráulico dos prédios. Valdecir Almeida Júnior, 41 anos, que cumpre pena em semiliberdade, garante que o ritmo de trabalho é bem intenso, já que o prazo de entrega é curto, mas precisa ser cumprido.
As metas de conclusão, segundo Valdecir, são vencidas pelo trabalho conjunto. “Aqui somos uma equipe, ajudamos um ao outro, quando não tem serviço na nossa área ajudamos o colega para acelerar a reforma, aqui ninguém fica parado, todos trabalham juntos para cumprir a meta”, assegura o custodiado, que atua como serralheiro no projeto, mas ajuda em diversos setores da reforma.
O número de detentos que atuam nas reformas de escola varia entre 15 e 25 internos, com oito horas diárias de trabalho. Pelos serviços, eles recebem um salário mínimo mensal, pago pela Secretaria de Estado de Educação, e redução de um dia na pena a cada três trabalhados, de acordo com o que é estabelecido pela Lei de Execução Penal.
A remuneração é um estímulo e uma forma de ajudar a família, segundo o reeducando Sílvio da Silva Souza, 38 anos, que trabalha como eletricista no projeto. “O dinheiro ajuda no meu sustento e no da minha família que está lá fora, minha esposa e meus filhos, inclusive, posso ajudar minha mãe que está criando uma filha de um casamento anterior”, comenta. “O trabalho também é uma forma de ocupar a mente e passar o tempo mais rápido, fico o dia todo aqui na obra e quando retorno para o presídio só penso em descansar”.
Para o custodiado, e carpinteiro por profissão, Flávio Gonçalves Braga, 36 anos, o fato de poder trabalhar, mesmo em situação de prisão, reflete diretamente em sua vida. “Começo a dar valor naquilo que perdi quando fui preso, que é a minha liberdade, o companheirismo, o convívio social e com a família; então essa oportunidade que recebo aqui já é um grande passo para me readaptar na sociedade”, acredita.
8ª Escola Reformada
O projeto Pintando e Revitalizando a Educação com Liberdade é conduzido pela Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (Agepen) e pela Secretaria de Estado de Educação (SED); e realizado por meio de parceria entre o Governo do Estado, 2ª Vara de Execução Penal e Conselho da Comunidade de Campo Grande.
Atualmente, as obras se encontram na Escola Estadual Alice Nunes Zampierri, localizada na Vila Palmira em Campo Grande, que atende a cerca de mil alunos nos ensinos fundamental e médio e terá uma área de 2,4 mil m² reformada. Esta é a oitava escola pública reformada pelo projeto.
De acordo com o diretor do Centro Penal da Gameleira, Adiel Barbosa, durante os trabalhos na escola, os internos também irão passar por cursos de qualificação na área de construção civil, oferecidos pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). Todos serviços realizados são monitorados pelo agente penitenciário Sandro Roberto dos Santos.
Além de garantir oportunidade de trabalho prisional, remição de pena, remuneração aos apenados e alcance social, o projeto traz economia para a administração pública. A estimativa é que aproximadamente R$ 3 milhões já foram economizados pelo Governo nas reformas já concluídas das sete escolas.
O Pintando e Revitalizando a Educação com Liberdade foi idealizado pelo juiz da 2ª Vara de Execuções Penais de Campo Grande, Albino Coimbra Neto, e utiliza recursos provenientes do desconto de 10% no salário pago a presos que trabalham na capital, instituído pelo magistrado, para compra dos materiais usados nas obras em escolas.
Texto: Tatyane Santinoni e Keila Oliveira.
Fotos: Keila Oliveira.